Alfredo
Um retrato não é só uma imagem.
Das muitas formas de fotografar uma pessoa, de a guardar em luz e sombra, dentro de um objecto, seja ele moderno ou não, distingo esta: uma boa conversa. Muitas das pessoas que me entraram pela lente ao longo destes anos, algumas apenas, mesmo antes de sacar da máquina e ter tempo de premir o botão, já se tinham instalado, profundamente, nas redondezas da memória. Alfredo não é fácil de fotografar, não pára quieto, não se dá à câmara, ignorado-a e confundindo-me os momentos em que lhe aponto o aparelho. Hesito constantemente, é uma canseira. É quase desconcertante. Desisto. Depois há qualquer coisa que me faz levantar outra vez a mão e carregar no botão. Apanhando-o como for. Talvez seja essa a maneira como quer entrar para dentro da máquina, de ser guardado, de se prolongar para além de si, congelado numa imagem. Não seria essa a forma que escolheria, tenho a certeza, não obstante, pouco parece importar-se. Nunca lhe pedi um retrato, faço-o aqui com palavras e algumas imagens, assim fica mais completo, embora nunca acabado.
Ouvir é tão importante como ver
Sim, isso mesmo. Quem não ouve é como quem não vê. Não é bem assim? Tanto faz. É tempo de ouvir um homem sábio, e a sabedoria assume muitas formas. Tantas quantos os contraluzes com que nos recorta a sua silhueta no azul de um céu invernoso. Ouvir Alfredo é pintar um quadro na mente, com mil cores, juntando todos os tons da terra misturados na sua voz, no seu saber, na paixão com que fala da natureza, a nossa mãe. Porque a conhece bem, melhor que a si mesmo, diria, pelo tom de voz alterado, a expressão das mãos quando as levanta bradando e pelo ofegar no final das frases. Respira fundo, recupera o fôlego e lá vamos nós outra vez levar uma lição de vida, natureza e, inevitavelmente, morte. É assim que a mãe ou a “grande festa”, como lhe chama, nos vê, vida e morte. É assim que a devemos ver. Alfredo fala de um projecto que levará muitas gerações a estar concluído, nuca o veremos realizado, apenas o imaginamos através das imagens que nos passa enquanto nos passeamos ao seu lado, sempre atentos ao que nos quer contar.